sexta-feira, 14 de julho de 2017

Sífilis




A Doença

A sífilis é uma doença infecciosa, sistêmica de evolução crônica e sexualmente transmissível (DST), que desafia há séculos a humanidade. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a sífilis, permanece como um importante problema de saúde pública que acomete milhares de pessoas em todo o mundo, embora há muito tempo, com a introdução da penicilina, seja possível um tratamento eficaz e de baixo custo.

Esta doença pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios e se não houver tratamento ou tratamento inadequado, pode espalhar-se pelo corpo e causar graves lesões em praticamente todos os órgão e sistemas. 

Como dito, a sífilis é uma doença transmitida pela via sexual (sífilis adquirida) e verticalmente (sífilis congênita) pela placenta da mãe para o feto. O contato com as lesões contagiantes pelos órgãos genitais é responsável por 95% dos casos de sífilis. Outras formas de transmissões mais raras são por transfusão sanguínea ou contanto direto com o sangue contaminado e por via indireta (objetos contaminados).

A sífilis é um mal silencioso e requer cuidados. Após a infecção inicial, a bactéria pode permanecer no corpo da pessoa por décadas para só depois manifestar-se novamente. Como única forma de prevenção desta doença, é importante o uso correto e regular da camisinha masculina ou feminina. Além do acompanhamento da gestante durante o pré-natal que contribui para o controle da sífilis congênita.


Foto: Modos de transmissão da sífilis




Agente Etiológico

A sífilis é causada por uma bactéria gram-negativa com forma espiral do grupo das espiroquetas chamada Treponema pallidum, gênero Treponema, da família dos Treponemataceae.


O T. pallidum é anaeróbia facultativa e catalase negativa, com cerca de 5-20μm de comprimento e 0,1 a 0,2μm de espessura. Não possui membrana celular e é protegido por um envelope externo. Apresenta flagelos que se iniciam na extremidade distal da bactéria e encontram-se junto à camada externa ao longo do eixo longitudinal. A bactéria move-se por rotação do corpo em volta desses filamentos. A mesma não é cultivável, é patógeno exclusivo do ser humano e não é resistente ao calor e a falta de umidade, não resistindo muito tempo fora do seu ambiente.

Além disso, a pequena diferença de densidade entre o corpo e a parede do T. pallidum faz com que seja prejudicada sua visualização à luz direta no microscópio, pois fracamente se cora, e por isso, a ideia do nome latim pallidum, que significa pálido.



Histórico

Sua origem gera controvérsias até hoje, duas teorias foram elaboradas na tentativa de explicar sua origem: as teorias do Novo e do Velho Mundo. A primeira teoria afirma que a doença era endêmica na América e que os marinheiros de Cristóvão Colombo a introduziram na Europa. A teoria do Velho Mundo sustenta a tese de que a sífilis já existiria em solo europeu e seria causada por um único tipo de microrganismo, e com o passar do tempo a bactéria teria sofrido mutações e se tornado mais virulenta, passível de ser transmitida por via sexual e, posteriormente, possibilitando o desenvolvimento de epidemias.

Apesar destas polêmicas, é comprovado, que no final do século XV teve início na Europa uma epidemia gravíssima de sífilis, até então uma doença desconhecida. O termo sífilis surgiu em 1530, em um poema de Girolamo Fracastoro cujo título era “Syphilis sive morbus gallicus”, em que este descreve o mito do pastor Syphilus que amaldiçoou o deus Sol e foi castigado com a doença. Porém, o nome sífilis só começou a ser usado realmente no final do século XVIII.

No Brasil, antigos estudiosos afirmam que a sífilis não existia aqui antes da descoberta, atribuindo aos brancos sua introdução e a estes e aos negros a disseminação da doença através do contato sexual com as índias e negras.

Além disso, em virtude de não haver estatísticas, muitos médicos acreditavam haver uma enorme incidência de sífilis entre a nossa população. Em parte, isso deve-se ao fato da inexistência de um diagnóstico preciso para a doença.



Sinais e Sintomas

A sífilis alterna períodos de atividade com características clínicas, imunológicas e histopatológicas distintas, ou seja, períodos sintomáticos: sífilis primária, secundária e terciária; e período assintomático: sífilis latente. Ainda podendo existir a sífilis congênita e a neurossífilis.

·        Sífilis Primária

O período de incubação, ou seja, o intervalo de tempo entre o contágio e os primeiros sintomas, é em média de 2 a 3 semanas. Todavia, há caos em que este intervalo pode ser de três dias ou três meses.
A lesão específica da sífilis é inicialmente uma pápula de cor rósea, geralmente nos órgãos genitais, que evolui em poucas horas em uma úlcera não dolorosa, que recebe o nome de cancro duro. Em geral o cancro é único, praticamente sem manifestações inflamatórias perilesionais, bordas induradas, que descem suavemente até um fundo liso e limpo, recoberto por material seroso.

No homem é mais comum localizar-se no sulco balanoprepucial, prepúcio, meato uretral ou mais raramente intra-uretral. Na mulher é mais frequente nos pequenos lábios, parede vaginal e colo uterino. As localizações extragenitais mais comuns são a região anal, boca, língua, região mamária e quirodáctilos.

O cancro regride espontaneamente em período que varia de quatro a cinco semanas sem deixar cicatriz, levando a falsa impressão de cura espontânea. Portanto, é comum que essa doença passe despercebida pelo portador, fazendo com que o mesmo não procure ajuda médica e desse modo, proporciona a bactéria que ela se multiplique pelo organismo silenciosamente.





·        Sífilis Secundária


Após período de latência que pode durar de seis a oito semanas, a doença entra novamente em atividade. O acometimento afeta a pele e os órgãos internos correspondendo à distribuição do T. pallidum por todo o corpo. Na pele, na boca, no nariz, mas principalmente nas palmas das mãos e nas plantas dos pés, as lesões podem apresentar-se sob a forma de máculas de cor avermelhada de duração efêmera. Além de ser caracterizada por provocar descamações na pele, gerar ínguas (na região genital) e causar dor de cabeça, dor muscular, dor de garganta, mal-estar, febre baixa, falta de apetite e perda de peso.

A fase secundária evolui no primeiro e segundo ano da doença com novos surtos que regridem espontaneamente entremeados por períodos de latência cada vez mais duradouros. Por fim, os surtos desaparecem, assim como na sífilis primária, e um grande período de latência se estabelece. Estudos mostram que um terço dos pacientes obtém a cura clínica e sorológica, outro terço evolui sem sintomatologia. E, num último grupo, a doença volta a se manifestar (sífilis terciária).







·        Sífilis Latente

Após o desaparecimento da sífilis secundária, o paciente entra na fase latente da doença. Correspondente ao estágio inativo da sífilis. Não há sintomas, mas os testes laboratoriais ainda são positivos. A duração é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciária (a mais grave de todas). A fase latente é dividida em latente precoce, quando a contaminação pelo Treponema pallidum tem menos de um ano, ou latente tardia quando a infecção tem mais de um ano. 


·        Sífilis Terciária

Esta nova fase, quando os sintomas retornam, é chamada de sífilis terciária. Ela pode surgir de 2 a 40 anos depois do início da infecção. Os pacientes nessa fase desenvolvem lesões, em pequeno número, assimétricas, endurecidas e bem marcadas, localizadas envolvendo pele e mucosas, sistema cardiovascular e nervoso, podendo levar à morte. Em geral a sífilis terciária apresenta três tipos de manifestações características das lesões:

- Goma sifilítica = grandes lesões ulceradas que podem acometer pele, ossos e órgãos internos.

- Sífilis cardiovarcular = acometimento da artéria aorta, causando lesões na mesma.

- Neurossífilis = acomete o sistema nervoso, levando à demência, meningite, AVC e problemas motores por lesão da medula e dos nervos. 


                                                          Sífilis Terciária



·        Sífilis Congênita

A sífilis congênita é quando o embrião é infectado, por transmissão vertical, com o T. pallidum (sífilis) ainda durante a gestação. Isso acontece quando a gestante infectada não foi tratada ou não possuiu tratamento adequado para a doença. A infecção do embrião pode ocorrer em qualquer fase gestacional ou estágio da doença materna. Os principais fatores que determinam a probabilidade de transmissão são o estágio da sífilis na mãe e a duração da exposição do feto no útero.

De acordo com o boletim epidemiológico de sífilis fornecido por uma pesquisa do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV I Aids e das Hepatites virais, em 2016, 15.247 casos de sífilis em gestantes e 9.201 casos de sífilis congênita em menores de um ano de idade foram detectados no Brasil. 

Além disso, uma pesquisa realizada em 2011-2012 através de dados do estudo Nascer Brasil, estimou uma taxa de transmissão vertical de 34,3% em casos de sífilis na gestação e sífilis congênita identificados. Sabe-se que a transmissão vertical da sífilis apresenta valores distintos conforme a fase da doença materna e além de ser uma taxa elevada, 33,9% dos recém-nascidos com diagnóstico de sífilis congênita apresentaram desfechos negativos, valor 2,5 vezes superior ao observado em mulheres sem infecção pela sífilis.

Nesta mesma pesquisa, verificou-se que mulheres com transmissão vertical da infecção apresentaram fatores que influenciaram a propagação da doença, como o início mais tardio da assistência pré-natal, menor proporção de número adequado de consultas, menor realização de uma ou duas sorologias para sífilis e menor registro de sorologias reagentes no cartão de pré-natal.

Logo, a sífilis congênita, se não tratada, pode levar a diversas complicações, como: aborto espontâneo, parto prematuro, má formação do feto, surdez, cegueira, deficiência mental e/ ou morte ao nascer. Para evitar estes agravantes, recomenda-se que o tratamento da sífilis congênita no recém-nascido seja feito o mais rápido possível, com injeções de penicilina G benzatina ou benzilpenicilina benzatina. No entanto, as doses e duração do tratamento variam de acordo com o risco de infecção do bebê, sendo que o tratamento mais longo dura até 14 dias.


Diagnóstico

A sífilis pode ser diagnosticada por um teste rápido (TR) que é um teste imunocromatográfico, treponêmico, de uso para detecção de anticorpos específicos para Treponema pallidum. Pode ser realizado com amostra de sangue total, soro ou plasma. Este teste está disponível nos serviços de saúde do SUS, sendo prático e de fácil execução, com leitura do resultado em, no máximo, 30 minutos, sem a necessidade de estrutural laboratorial.

Porém, para um diagnóstico mais preciso da sífilis são necessários exames laboratoriais baseados em exames de microscopia e exames sorológicos, sendo escolhidos considerando a fase evolutiva da doença. Por microscopia, pode ser realizada a coleta adequada de material nas lesões (fases primária e secundária) pela técnica em campo escuro ou pela Imunofluorescência direta. Nos exames por sorologia, tem-se a sorologia não treponêmica (VDRL e RPR) e a sorologia treponêmica (FTA-abs , MHA-tp ou TPHA, ELISA).

Na sífilis congênita, além dos exames acima, devem ser solicitados também o hemograma completo, raio X de ossos longos e exame do líquido céfalo-raquidiano ou líquor (LCR) para análise da celularidade, proteínas e a realização do VDRL.

Teste rápido para sífilis



Tratamento

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou um novo uso de antibiótico, a penicilina, devido ao aumento da resistência dos microrganismos aos medicamentos (antibióticos) usados.
O tratamento da sífilis, então, é feito com penicilina que age interferindo na síntese do peptidoglicano, componente da parede celular do T. pallidum. O resultado é entrada de água no treponema, o que acaba por destruí-lo. Nas três fases da sífilis recomenda-se o tratamento com penicilina benzatina.




Nos casos de alergia à penicilina, o teste intradérmico deverá ser feito, bem como, nos casos comprovados, dessensibilização com a penicilina. Caso essas medidas não sejam possíveis, deverão ser utilizadas drogas alternativas como: Doxiciclina 100mg, 2x dia, por 30 dias, ou tetraciclina 500mg, 6/6 horas (VO) ou eritromicina 500 mg, 6/6H (VO), por 15 dias.

Em casos de neurossífilis deve-se usar a Penicilina G aquosa, 18-24 milhões UI por dia, por via endovenosa, administradas em doses de 3-4 milhões UI, a cada 4 horas ou por infusão continua, por 14 dias. Caso, haja alergia pelo paciente, utiliza-se a Penicilina procaína, 2,4 milhões UI, IM, uma vez ao dia mais probenecide 500 mg VO, 6/6, ambos por 10-14 dias.

Como não há garantia de que outras drogas consigam tratar a gestante e o feto de forma tão eficaz quanto a penicilina, impõe-se a dessensibilização e o tratamento com penicilina para gestantes com alergia confirmada à penicilina. Não havendo possibilidade de dessensibilização, a mãe pode ser tratada com estearato de Eritromicina 500mg, 4x dia, por 14 dias se sífilis recente e 30 dias, se sífilis tardia. A eritromicina por não atravessar a barreira placentária, não trata o feto. Após o parto, a gestante deverá ser tratada novamente com Doxiciclina (100mg, 2x dia por 30 dias).

Após o início do tratamento as lesões começam a desaparecer já nos primeiros dias. Porém para se confirmar a cura é preciso repetir os exames de sangue.

O tratamento da sífilis congênita deverá ser realizado conforme o quadro abaixo:




Sífilis no Brasil

A sífilis, apesar de ter um tratamento rápido, voltou a ser uma epidemia no Brasil. Esse aumento ocorre especialmente nos centros urbanos e entre os jovens, o que preocupa especialistas. Esse fenômeno não é particularidade do Brasil, a Organização Mundial da Saúde estima que quase seis milhões de pessoas são infectadas pela sífilis.

No Brasil, ainda há um grande desconhecimento da doença, não só em relação aos riscos, como em relação às consequências da mesma. Além disso, a população mais jovem, por não ter vivido a epidemia de sífilis nas décadas anteriores e por considerar a doença como antiga, se descuida nos métodos de prevenção e assim provoca a propagação da sífilis. 

A sífilis, como dito anteriormente, é uma doença silenciosa que está entre nós, logo, todas as medidas de prevenção devem ser tomadas para que a mesma não se propague.



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