Peste Bubônica
História e ocorrências
A peste bubônica (ou peste negra) é uma doença que dizimou milhões
de pessoas no século XIV, de maioria europeia, mas acometendo também asiáticos.
Muitos vetores foram transportados entre os continentes, por via marítima ou
terrestre, espalhando a peste por um território bastante abrangente. Estima-se
que essa doença causou cerca de 75 milhões de mortes, número que corresponde a
praticamente metade da população da época. As condições de higiene e saneamento
básico eram precárias, favorecendo a reprodução de roedores hospedeiros do
vetor, uma pulga, que transmite a doença. Os infectados morriam rapidamente,
cerca de 3 a 5 dias após os primeiros sintomas. A mortalidade chegou a níveis tão
absurdos que não havia mais como enterrar os falecidos, pois não havia espaço
nem mão de obra para realizar o sepultamento. Sendo assim, muitos corpos eram
queimados, e outros eram empilhados em igrejas e cemitérios. A peste durou por
muito tempo porque, além do difícil controle da disseminação, muitas pessoas da
época acreditavam que a doença era castigo divino, e então não havia nada que a
pudesse cessar. O controle da peste se deu no final do século XIV, pela adoção de
medidas de higiene adequadas. Devido a sua grande extensão temporal, a peste
negra se tornou tema de muitas obras, tanto na literatura quanto na arte. O
livro “Decamerão” (ou Decameron, em
italiano), escrito pelo poeta Giovanni Boccaccio, possui 100 contos que contam
a historia de um grupo de pessoas que tentam fugir da peste negra. O quadro “O
triunfo da morte”, criado pelo pintor Pieter Bruegel, foi inspirado na peste, e
retrata a forma como a morte sempre prevalece sobre a vida, ou seja, o triunfo
da morte.
Quadro “O triunfo da morte”, por Pieter
Bruegel
A África é desde 1990 o local onde há a maior ocorrência da
peste. Os países mais afetados do continente africano são Madagascar e Congo.
Em 2015, Madagascar sofreu um surto da peste e ficou sob alerta. Foram
contabilizados 119 casos, com 40 mortes. Em 2013 foram registrados 783 casos da
peste em todo mundo, com 126 mortes.
No Ceará, um alerta
para notificação imediata de peste bubônica foi emitido pela Secretaria de
Saúde do Ceará (SESA), no dia 12/06/2017. A nota põe sob vigilância 42 municípios
do estado. Nenhum caso foi detectado ainda, mas o órgão destaca que “a
persistência desses focos deve ser considerada uma ameaça real e permanente de
acometimento humano nessas regiões, que pode estender-se para outros lugares,
inclusive centros urbanos, tornando-se imperativo que os técnicos de saúde
estejam preparados para lidar com o problema”.
Transmissão
A doença é transmitida pela pulga Xenopsylla cheopis, que possui como hospedeiro natural os roedores.
Ao morder a pele de um roedor infectado, a pulga passa a carregar a bactéria. Quando
há grande proximidade entre os roedores e os humanos, a pulga pode se hospedar
em uma pessoa. Ao morder a pele do hospedeiro humano, a pulga permite o contato
entre o tecido humano e a bactéria. Uma vez em contato com o tecido, a bactéria
migra para o linfonodo mais próximo e ali se aloja, causando o inchaço desse órgão,
caracterizando o conhecido bubão. Quando a doença chega à fase pneumônica, o
que não acontece com grande frequência, o microrganismo passa a ser transmitido
pelo ar, o que agrava a dificuldade no controle.
Pulga Xenopsylla cheopis, vetor da peste bubônica.
Características da infecção
A peste bubônica ou
peste negra ficou assim conhecida por causa de seus sintomas. Porém, esses
nomes remetem às fases da praga. A doença passa por três fases, que são
definidas pelos sintomas e evolução da doença. As fases e seus respectivos
sintomas são:
Fase
|
|
Sintomas
|
bubônica
|
|
Inchaço e inflamação nos linfonodos, gerando os
chamados “bubões”
|
septicêmica
|
|
Enegrecimento
de extremidades como dedos, lábios e nariz, de onde provem o nome “peste
negra”. Ocorre pois o microrganismo penetra a circulação sanguínea e migra
para diversos tecidos
|
pneumônica
|
|
Tosse com muco sanguinolento. Ocorre pois o
microrganismo penetra os pulmões através da circulação
|
Estudos recentes mostram que, na verdade, nem sempre a mordida da pulga causa peste bubônica, e a peste bubônica nem sempre evolui para a peste negra (septicêmica). Isso mostra que a bactéria possui perfis nos quais desenvolve sua patogenicidade ou não. Para captar ferro, por exemplo, as bactérias possuem sideróforos (compostos orgânicos que captam ferro). A bactéria da peste possui um sistema sideróforo chamado yersiniabactin, que foi inibido em um mutante da bactéria. Quando inoculado na pele, o mutante não causa a doença, mas quando inoculado intravenosamente é totalmente patogênico. Outro parâmetro que aparenta ser de grande importância é a presença de gliceraldeído-3 fosfato, que é um intermediário da via da glicólise. Por algum motivo, a bactéria não depende da via completa da glicólise, pois exerce virulência na ausência das duas primeiras enzimas da via, mas não é capaz de causar a doença quando gliceraldeído 3-fosfato é suprimido. Além disso, o metabolismo anaeróbico se mostra essencial para sua virulência, pois na ausência de uma enzima do ciclo de Krebs (metabolismo aeróbico) exerce perfeita virulência, porém, na ausência de duas enzimas da fermentação (metabolismo anaeróbico), a bactéria teve sua virulência atenuada.
Microrganismo causador
A bactéria Yersinia pestis é um bastonete gram-negativo, anaeróbio facultativo,
que faz parte da família Enterobacteriaceae. Por se alojar inicialmente em um órgão
que possui papel de eliminar antígenos, essa bactéria possui diversas formas de
escapar do sistema imune. Possui uma capsula que dificulta sua fagocitose.
Quando ocorre a fagocitose, a bactéria utiliza um sistema de secreção tipo III,
que libera proteínas no interior da célula fagocítica, que desfosforilam proteínas
essenciais à fagocitose, rompem filamentos de actina e induzem apoptose em macrófagos.
Esse gênero de Yersinia possui também
dois plasmídios que atuam na sua virulência, que são:
- · Gene F1, que codifica uma pseudo-capsula anti-fagocitica proteica e uma forma de interferência através da interleucina-1 (para aumentar a incidência da doença);
- · Gene ativador do plasminogênio (Pla), que degrada fatores do sistema complemento C3b e C5a, não permitindo assim o início da cascata para formação do complexo de ataque à membrana (C3b) e o recrutamento de outras células do sistema imune (C5a).
Além disso, foi descoberto que a bactéria possui uma resistência
ao estresse causado pelas espécies reativas de oxigênio (ROS) produzidas por macrófagos
ativados. Duas cepas da bactéria foram analisadas, uma crescente no tecido de
camundongos (in vivo), e outra no
interior de macrófagos (in vitro). Observou-se
que os genes de resposta ao estresse oxidativo estavam com baixa taxa de transcrição
in vivo e alta taxa de transcrição in vitro. Isso mostra que há uma adaptação
na fase inicial da doença, onde as células que acabaram de penetrar o indivíduo
estão sendo fagocitadas por macrófagos. Quando as bactérias colonizam o tecido
do linfonodo, e a infecção está avançada, os genes de resposta ao estresse
oxidativo são reprimidos.
Diagnóstico
O diagnostico é baseado em exames laboratoriais, através de
cultura realizada com fluidos retirados do bubão. A partir das colônias crescidas,
são realizados testes bioquímicos para identificação da presença de Yersinia pestis. A seguir, resultados para alguns testes bioquímicos utilizados na pesquisa de Yersinia pestis:
Teste
|
Resultado
|
Lisina
|
-
|
Ureia
|
-
|
Motilidade
|
-
|
Indol
|
-
|
Manitol
|
+
|
Sacarose
|
-
|
Tratamento
O tratamento para peste, assim como para a maioria das
doenças causadas por bactérias, é baseado na administração de antibióticos. Estreptomicina
ou gentamicina são as opções corriqueiras. Tetraciclina ou doxiciclina são
opções alternativas. O tratamento deve ser mantido por 10 dias e a taxa de
sucesso é de mais de 90% quando iniciado cedo e seguido com rigor.
Prevenção
A prevenção da doença é baseada evitar ao máximo o contato
com roedores ou possíveis hospedeiros para as pulgas. Eliminar focos de
entulho, lenha, lixo e qualquer outro tipo de materiais que possam atrair
roedores. É importante também manter animais de estimação livres de pulgas. Ao
identificar um local onde há a ocorrência de animais contaminados e hospedeiros
de pulgas, os órgãos públicos de saúde devem conscientizar os moradores e
alertar sobre os riscos do contato com esses animais.
Bibliografia:
SEBBANE, F. et al. Role of the Yersinia pestis Yersiniabactin Iron Acquisition System in the Incidence of Flea-Borne Plague. Plos, [S.L], jan. 2012. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3003698/>. Acesso em: 08 jul. 2017.
PRADEL, E. et al. New Insights into How Yersinia pestis Adapts to Its Mammalian Host during Bubonic Plague. Plos one, mar./mar. 2014. Disponível em: <https://www-ncbi-nlm-nih-gov.ez140.periodicos.capes.gov.br/pmc/articles/PMC3968184/>. Acesso em: 08 jul. 2017.
MD.SAUDE. Peste negra – história, sintomas e tratamento.
Disponível em:
<http://www.mdsaude.com/2017/06/peste-negra-historia-sintomas-e-tratamento.html>.
Acesso em: 08 jul. 2017.
MINHA VIDA. Peste negra: sintomas, tratamentos e causas..
Disponível em: <http://www.minhavida.com.br/saude/temas/peste-negra>.
Acesso em: 08 jul. 2017.
R7. Alerta! região da áfrica tem surto de peste negra.
Disponível em: <http://noticias.r7.com/saude/alerta-regiao-da-africa-tem-surto-de-peste-negra-10022015>.
Acesso em: 08 jul. 2017.
USERS MED. Bacilos gram -. Disponível em:
<https://users.med.up.pt/~cc04-10/microtextosapoio/3_bacilos_gram-.pdf>.
Acesso em: 08 jul. 2017.
VEJA. Peste bubônica deixa ceará em estado de alerta.
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/saude/peste-bubonica-deixa-ceara-em-estado-de-alerta/>.
Acesso em: 08 jul. 2017.
VÍRUS DA ARTE & CIA.. Pieter bruegel, o velho – o triunfo
da morte. Disponível em:
<http://virusdaarte.net/pieter-bruegel-o-velho-o-triunfo-da-morte/>.
Acesso em: 08 jul. 2017.
WIKIPEDIA. Yersinia pestis. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/yersinia_pestis>. Acesso em: 08 jul. 2017.
SCIELO. As grandes epidemias da historia. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-08.pdf>. Acesso em: 08 jul. 2017.
Instituto Federal do Rio de Janeiro
Luiza Rocha de Lima
BM 161
13/07/2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário